Água - é urgente otimizar e valorizar para gerar resiliência e competitividade

O contributo das Indústrias na mitigação de desperdícios e na criação de novas origens de água

À conversa com Diogo Talone, Veolia Portugal

Perante um cenário de escassez de água, cada vez mais frequente e de consequências mais profundas, qual poderá ser o contributo da Indústria na construção de uma economia e sociedade mais resilientes?

A escassez da água eleva a tomada de consciência para o uso sustentável de um recurso que abrange todos os setores e envolve toda a sociedade, sendo utilizado num espectro alargado de aplicações, como é o caso da irrigação para fins agrícolas, a utilização para consumo humano, mas também processos industriais, entre outras.

A Indústria tem um papel preponderante na liderança e no exemplo ao nível do uso sustentável da água, nomeadamente potenciando a otimização de consumos e a circularidade através da reutilização.

Há ainda um longo caminho a percorrer neste sentido, sendo que os episódios atuais de seca tornam mais urgente a tomada de ação por parte dos industriais.

Compatibilizar os investimentos em curso com a proteção do ambiente é hoje um fator de exigência do mercado e que ultrapassa o mero cumprimento dos fins regulamentares. Hoje são os clientes que exigem provas aos seus fornecedores relativamente às ações tomadas para uso sustentável dos recursos.

Imaginemos uma indústria que queira iniciar agora esse trajeto para um uso sustentável do recurso Água, por onde deverá começar? 

Deverá procurar, numa primeira fase, mapear toda a sua pegada hídrica, identificando de forma exaustiva as origens de água disponíveis, os consumidores e as correntes de efluentes gerados. Toda esta caracterização deverá envolver os aspetos quantitativos e qualitativos. Ao mesmo tempo, deverão ser caracterizados todos os sistemas de tratamento existentes, incluindo-se: tratamento de água bruta; água de processo; água para produção de vapor; água para circuitos de arrefecimento; tratamento de efluentes, entre outras.

A reutilização das águas residuais em Portugal continua a ser… residual. Como se explica esse facto?

Focando no tema da indústria, existe um importante caminho em curso e que se prende com o natural aumento do custo da água bruta captada, acompanhado de um maior controlo e acompanhamento por parte da entidade licenciadora relativamente aos volume captados. Esse caminho irá fomentar a reutilização.

O cenário está a mudar. Assiste-se a alguma melhoria das condições de licenciamento e fiscalização das descargas de águas residuais industriais em meio hídrico. E quanto mais assertivo for o papel do licenciador / fiscalizador, mais dinâmica irá existir ao nível dos projetos de reutilização.

Por exemplo, a Veolia é parceira de algumas indústria que têm em curso projetos inovadores para controlo online da descarga de efluente tratado, garantindo uma transparência e confiança na informação muito interessantes.

A Veolia é parceira de algumas indústria que têm em curso projetos inovadores para controlo online da descarga de efluente tratado, garantindo uma transparência e confiança na informação muito interessantes.

A Indústria está também pressionada pelas orientações da regulamentação oriunda da União Europeia, nomeadamente os BREFs (Best Available Techniques reference documents) aplicáveis a várias tipologias de indústrias e que reúnem um conjunto de recomendações e boas práticas a ser implementadas em matéria de proteção do meio ambiente, incluindo obviamente as questões da água.

Dessa forma, prevê-se que a regulamentação, bem como os atores no domínio do licenciamento / fiscalização venham a introduzir uma maior dinâmica nos projetos de reutilização industrial.

Reutilizar águas residuais para reintroduzir nos processos produtivos é "apenas" ambientalmente responsável, ou pode representar ganhos de competitividade? Em que casos?

Existem diversos casos onde é tecnica e também economicamente viável a reutilização de águas residuais industriais, sobretudo tendo em conta que muitas vezes o adicional de tratamento em ETAR não é assim tão complexo, bem como as utilizações encontradas para a água reutilizada poderão ser menos exigentes.

No caso das Indústrias que não dispõem de uma ETAR,  existe um racional a ser avaliado que passa por balancear o custo de investimento / exploração numa infraestrutura de tratamento que vise, de raiz, a reutilização versus o custo existente que soma a componente de captação / tratamento de água e o envio de efluente para um tratamento final fora da instalação (muitas vezes entregue à entidade gestora local).

A dessalinização é uma solução adequada só para algumas indústrias? Dimensão? Localização? Tipo de consumo? 

A dessalinização é uma alternativa cada vez mais a ser considerada no universo de opções, sobretudo em indústrias localizadas na zona centro / sul do país e desde que localizadas em zonas de fácil acesso a uma origem de água salgada / salobra.

O custo de investimento e operação de sistemas de dessalinização tem vindo a diminuir, fruto do aumento da procura por este tipo de soluções, bem como pela maturidade dos sistemas de membranas, principal constituinte dos sistemas de tratamento de água por osmose inversa, uma das principais tecnologias associadas à dessalinização, o que torna mais atrativo este tipo de sistemas.

Tendo uma componente de custo de operação muito associada ao consumo de eletricidade, sistemas que possam conjugar a combinação de fontes de energia renovável para alimentação aos sistemas de tratamento, poderão vir a tornar estas aplicações mais atrativas, sobretudo tendo em conta o potencial do nosso país no domínio do solar.

Que outros projetos poderão ser interessantes para as indústria nesta temática da economia circular da água?

Além dos temas já referidos da otimização de consumos e da reutilização, na Veolia temos uma vocação para conjugar o  máximo de soluções que visem a redução de custos e a geração de novos recursos que possam ser reintroduzidos no ciclo industrial.

É o caso do potencial que os efluentes de determinados nichos de indústria têm para ser tratados por via anaeróbia, reduzindo a quantidade de lamas de depuração produzidas e fomentando a produção de biogás, nos dias de hoje um recurso cada vez mais valioso, sendo que cerca de 50% deste pode ser convertido em gás natural para utilização industrial ou injecção na rede.

Determinados nichos de indústria, como o caso das alimentares, possuem lamas de depuração que, quando combinadas com outros resíduos, podem também constituir importantes centros de produção de energia.

Para refletir...

Este mês de março devolveu-nos a chuva, mas...

Fevereiro de 2022 foi o 3º mais seco desde 1931.

E se considerarmos apenas a classificação de seca extrema, fevereiro de 2022 apresentou-se como a situação mais grave desde que o boletim climatológico mensal do Instituto português do Mar e da Atmosfera (IPMA) é publicado, com 66% do território de Portugal continental afetado, o dobro em relação a 2005 (33 %) e 2012 (32 %).

Os recursos hídricos estão sob ameaça devido às alterações climáticas.

O aviso é do mais recente relatório do clima do IPCC Climate Change 2022: Impacts, Adaptation & Vulnerability.
Depois de em agosto, o grupo de trabalho nº1 do Painel Intergovernamental das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (IPCC) nos ter deixado os seus alertas, foi agora a vez do grupo de trabalho nº2 publicar as suas conclusões: "A evidência científica não deixa margem para dúvidas: as alterações climáticas são uma ameaça real para a qualidade de vida da humanidade e para a saúde do planeta". E a água é um dos recursos mais afetados como pode ler-se no capítulo dedicado a este recurso.

E porquê? Em resumo:

  • porque o ciclo da água está a acelerar. Temperaturas mais elevadas estão a causar mudanças muito repentinas entre períodos húmidos e secos, e fenómenos de seca e cheias.
  • porque as nossas ações exacerbam a crise: por exemplo, a impermeabilização causada pelo excesso de pavimentação nas cidades, casas construídas sobre planícies aluviais, destruição de áreas florestais, rios e lagos poluídos com pesticidas. 
  • porque as temperaturas elevadas estão a derreter os glaciares, gerando uma perda irreversível de fornecimento de água em montanhas de grande altitude. E o aumento do nível do mar empurra a água salgada para os aquíferos costeiros, afetando fontes de água doce para milhões de pessoas. 

A seca como o maior driver para a insegurança alimentar.

Indiretamente outras consequências afetam a saúde e qualidade de vida dos seres humanos no Planeta, como por exemplo:

  • no que diz respeito a situações de seca, o setor agrícola, fortemente dependente de água, é o mais afetado. O relatório do IPCC refere "a seca como o maior driver para a insegurança alimentar".
  • as cheias e os desastres naturais vão ser cada vez mais comuns, e com eles doenças como malária e dengue, uma vez os mosquitos que as transmitem expandem a sua área de abragência para além dos tópicos. 
  • as regiões mais pobres, os países com mais problemas de governança, e as comunidades cuja atividade económica principal é a agricultura e a pesca, estão entre as populações mais vulneráveis aos riscos relacionados com os impactos das alterações climáticas na água.

Que soluções?

A par da redução das emissões com efeito estufa com impacto no combate às alterações climáticas, do lado da procura poderemos mitigar desperdícios e adaptar os usos que são dados a este recurso, limitado por natureza. Podemos também trabalhar no sentido de uma economia circular e resiliente, combatendo a poluição das origens de água, reutilizando e reciclando as águas residuais, recorrendo à dessalinização nos territórios e contextos onde faça mais sentido.

Nunca é demasiado tarde para agir.

 

 

 

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