À medida que a qualidade do ar se torna uma relevante questão de saúde pública nas grandes cidades mundiais, os grandes edifícios industriais e de comércio e serviços são pensados para permitir uma impermeabilidade cada vez maior.
Será expectável que os edifícios ofereçam uma qualidade do ar interior aceitável, simultaneamente assumindo ser completamente herméticos? Os edifícios, onde procuramos refúgio da poluição do ar exterior, devem poder contar com inovação na área da sua “monitorização”, correndo o risco da poluição interior tornar o ar irrespirável. UMA VISÃO GERAL
Em 2009, no seu projeto “Terroirs Déterritorialisés” (Áreas Desterritorializadas), o arquiteto Philippe Rahm inverteu a relação interior/exterior imaginada pela arquitetura, propondo “reconstruir química e meteorologicamente [no interior do edifício] a geologia e atmosfera parisienses antes do aparecimento da poluição extrema do século XIX, como um fenómeno natural filtrado e regenerado”. Essa atmosfera parisiense, caraterizada por uma paisagem e uma geologia de camadas de calcário, clima atlântico, vento oeste, carvalhos e castanheiras... já não existe. Este projeto é uma forma de expressar o desafio que surge hoje em pensar na porosidade entre o interior e o exterior nos projetos arquitetónicos em áreas urbanas.
A poluição do ar é já uma questão de saúde pública mundial. Causará, hoje, 6,5 milhões de mortes prematuras em todo o mundo, segundo um estudo pelo The Lancet em outubro de 2017. Estima-se que esse número possa aumentar para 7,5 milhões em 2040. E o risco não está apenas no ar exterior.
A poluição do ar é já uma questão de saúde pública mundial. Causará, hoje, 6,5 milhões de mortes prematuras em todo o mundo.
Hoje, 6,5 milhões de mortes prematuras em todo o mundo.
Estimam-se 7,5 milhões de mortes prematuras em 2040.
3 milhões podem ser causadas pela poluição do ar interior.
De facto, das 6,5 milhões de mortes atribuídas à poluição do ar em 2040, 3 milhões podem ser causadas pela poluição do ar interior. A “atmosfera natural” anterior à revolução industrial não existe mais. As atividades humanas são responsáveis pela enorme concentração de poluentes atmosféricos, partículas finas (PM10) e ultrafinas (PM2,5), óxidos de azoto (NOx), óxidos de enxofre (SOx) e compostos orgânicos voláteis. Estes poluentes infiltram-se nos espaços interiores que, contrariamente ao ar exterior, não estão sujeitos a uma monitorização mínima obrigatória acrescendo, então, às partículas já presentes no interior. O RECS / Decreto-Lei n.º 118/2013, conjuntamente com a portaria n.º 353-A/2013, de 4 de dezembro, estipulam as exigências em matéria de QAI, assim como a metodologia para a realização das análises à qualidade do ar interior em Grandes Edifícios de Comércio e Serviços (GES). Não tendo ficado definida uma periodicidade específica para as auditorias, o proprietário está responsável por garantir que os valores de microbiológicos (bactérias, fungos, legionella) e físico-químicos (partículas em suspensão (frações PM10 e PM2,5), dióxido de carbono (CO2), monóxido de carbono (CO), ozono (O2), formaldeído (CH2O), compostos orgânicos voláteis totais (COVs Totais) e radão) presentes se encontram conforme os máximos admissíveis.
Cada vez mais alertas são lançados por associações de cidadãos, à imagem de Respire fundado em 2011 enquanto campanha de sensibilização e ativismo. O movimento não é unicamente europeu. Na China, desde 2015 que se contabilizam mais de 500 manifestações diárias contra a poluição. Em Nova Deli, a 6ª metrópole mais poluída do mundo, manifestações também se multiplicam, acompanhadas pelo crescimento de mercados de máscaras e purificadores de ar interior junto das classes média e alta. Ainda que a regulamentação não seja suficiente para enfrentar o problema de saúde pública, preocupações com a qualidade do ar interior surgiram na sequência de projetos de desenvolvimento do território e a sua arquitetura.
Os projetos arquitetónicos, que podem ter um papel decisivo na proteção contra a poluição exterior, estão hoje sujeitos a uma dupla restrição paradoxal. As normas para a diminuição do consumo energético, particularmente em França com uma meta de redução de 60% no setor terciário até 2050 (Lei de Elan), obrigam a fortalecer o isolamento dos edifícios e, portanto, a reduzir a porosidade da sua estrutura para o ar exterior. Edifícios antigos, mal isolados, permitiam a renovação do ar interior. O risco, nas construções que respondem às novas normas ecológicas, é a possibilidade de estagnação e acumulação dos poluentes, o que pode levar ao aparecimento de um “síndrome dos edifícios doentes” nos seus ocupantes. Síndrome esse em que é comum a manifestação de dores de cabeça, cansaço, irritação nos olhos, nariz, garganta e pele, vertigens, episódios alérgicos, asma, etc.
O risco, nas construções que respondem às novas normas ecológicas, é a possibilidade de estagnação e acumulação dos poluentes, bem como a criação de um “síndrome do edifício doente” nos seus ocupantes.
O verdadeiro objetivo das novas construções é fazer dos edifícios um filtro protetor. É este o desafio na construção dos grandes edifícios de amanhã. E muitos setores já o compreenderam. Uma nova área de inovação foi criada para projetos como o AirLab, uma plataforma de inovação da qualidade do ar iniciada pelo AirParif em 2017, juntando parceiros públicos e privados. Neste contexto, a Veolia e a Icade lançaram uma call para projetos mobilizados por startups para conceber uma nova geração de sensores que medem a qualidade do ar e fornecem uma resposta contínua às variações na qualidade do ar nos edifícios de escritórios: ventilação, reciclagem do ar interior, higrometria, CO2, partículas finas, compostos orgânicos voláteis. Uma abordagem de inovação aberta (open innovation) testada desde 2018 em edifícios Veolia e Icade.
Num contexto climático extremo, onde as temperaturas exteriores podem chegar aos 50 graus centígrados nos meses de verão, o hotel Sheraton no Dubai é objeto de uma experiência conduzida pela Veolia de gestão dinâmica da qualidade do ar interior. Um sistema de cerca de trinta sensores distribuídos pelos espaços do hotel - quartos, restaurantes, bares, spa - possibilita a produção de dados precisos e em tempo real sobre a qualidade do ar interior para tornar este hotel um oásis no deserto urbano dos Emirados. Num contexto de alterações climáticas, meteorologia interior torna-se um pré-requisito para habitabilidade em áreas urbanas cada vez mais densas.