Além dos riscos de deterioração do ambiente, a poluição é também uma, se não a, prioridade sanitária deste século.
Em 2017, um dos mais importantes estudos científicos dos últimos anos sobre o assunto concluiu que mais de uma em cada seis mortes humanas foi causada por doenças relacionadas com a poluição - 90% em países em desenvolvimento. Entre as dificuldades encontradas para o fomento do tratamento da poluição está a falta de informação, tanto sobre as substâncias poluentes quanto sobre os seus efeitos tóxicos - nomeadamente quando combinados, conhecido como o efeito cocktail.
Numa palavra: o risco de doenças associadas à poluição, e sobretudo à micropoluição, é muito difícil de quantificar.
Micropoluentes e água: um fenómeno difícil de controlar
O problema é particularmente grave em relação aos desreguladores endócrinos, compostos que perturbam o sistema hormonal humano. Conforme declarado pela OMS, desreguladores endócrinos são provenientes de diversas fontes (efluentes municipais e industriais, escoamento de terras agrícolas, gestão de resíduos) e expõem o ser humano a riscos sanitários a partir de várias origens (ingestão de comida, poeiras e água, inalação e contacto com a pele). Enquanto os efeitos dos desreguladores endócrinos em humanos e animais estão comprovados, a falta de informação sobre as condições ambientais em que doenças se podem desenvolver permance aguda.
Atualmente, suspeita-se que os micropoluentes, substâncias tóxicas detetáveis em concentrações muito reduzidas (a partir do micrograma, ou mesmo do nanograma, por litro), tenham efeitos negativos sobre o ser humano (perturbações endócrinas ou cancerígenas). De facto, "o fenómeno permanece vago, complexo: não conhecemos realmente o seu funcionamento", explica Philippe Sébérac, diretor Técnico e de Desempenho da Água na Veolia. "Hoje", prossegue, "as autoridades, em França e não só, não obrigam à integração dessas moléculas no controlo de qualidade da água: são efetuadas análises experimentais, mas não existem critérios toxicológicos de referência nem valores máximos admissíveis". E caso seja comprovada a presença de desreguladores endócrinos "suspeitos" nas águas francesas - como demonstrado em análises recentes de dados públicos -, ainda não podemos avaliar os riscos ambientais e sanitários causados por essa presença.
o fenómeno permanece vago, complexo: não conhecemos realmente o seu funcionamento
Tratamento de micropoluentes: um desafio para I&D
Para o remediar, o esforço necessário para caraterizar os micropoluentes presentes no meio aquático permanece enorme, e deverá exigir cada vez mais abordagens complexas ditas "multi-barreiras", ou seja, que atuem a vários níveis. Poderá igualmente conduzir a uma mudança de paradigma no que diz respeito aos padrões de qualidade da água: hoje, as normas limitam-se à presença - ou ausência - de uma substância num determinado ambiente. Amanhã não deveriam optar por uma abordagem focada no seus efeitos nos organismos vivos?
Os bio-testes, que permitem a caraterização científica dos efeitos de compostos poluentes no metabolismo, são chamados a um desenvolvimento drástico. Mas, por agora, a realidade dos micropoluentes, que combina a gestão da qualidade da água e a proteção ambiental, e impacta inúmeras moléculas (de detergentes a pesticidas, cosméticos e resíduos de medicamentos), permanece complicada.
Na ausência de normas regulamentais internacionais, a resposta recai sobretudo na área de Investigação e Desenvolvimento: "não somos toxicólogos nem microbiólogos, e os estudos sanitários não são nossa responsabilidade; assim, acompanhando a evolução das recomendações das autoridades, acabamos por colocar o nosso conhecimento ao serviço de diversos campos de experimentação", acrescenta. É o caso dos microplásticos: se o seu tratamento requer conhecimento tecnológico existente, o mesmo não acontece com a sua caraterização. Saber como, onde e quando tratá-los é prioritário, e a inovação, procurada por várias autoridades locais, foi lançada para o efeito.
Tratamento de medicação residual em águas residuais: uma experiência pioneira
"Imaginar de forma diferente": também é o caso do tratamento e eliminação de resíduos de medicamentos em águas residuais. Em Aarhus, uma cidade dinamarquesa com cerca de 300.000 habitantes, teve início, em 2014, uma experiência a fim de identificar e tratar esses micropoluentes nas águas residuais do Centro Hospitalar Universitário da cidade, e, posteriormente, na estação de tratamento municipal. Era necessário garantir que o sistema purificador do hospital conseguia tratar, o mais eficiente e ecologicamente possível, o risco representado pela presença de pequenas quantidades de moléculas de medicamentos (antidepressivos, anti-inflamatórios, anticancerígenos, etc.).
Este projeto desde cedo forneceu respostas para a caraterização das águas residuais a tratar. As do hospital ou da cidade? De facto, e principalmente porque poucos medicamentos são efetivamente consumidos nos hospitais, as águas residuais municipais, e não hospitalares, mostraram ser o local preferencial para o tratamento: uma informação essencial para os gestores do projeto!
Na Dinamarca, há já vários anos que a Veolia trabalha no sentido de desenvolver uma solução inovadora para o tratamento da micropoluição causada pela presença de resíduos de medicamentos nas águas municipais. Este projeto reflete a crescente preocupação das nossas sociedades para com micropoluentes, e as novas soluções que se podem provar essenciais amanhã.
Como Philippe Sébérac descreve, este trabalho "também permitiu testar uma tecnologia de tratamento biológico (MBBR - Moving Bed Biofilm Reactor) que utiliza microorganismos para degradar matéria orgânica, ao contrário dos comummente aplicados ozoto ou carvão. Já sabemos mais nesta área." Até 90% dos resíduos de medicamentos presentes nas águas são eliminados, em zona urbana: uma solução inédita a desenvolver. Esta solução, apelidada de "ligeira", responde cada vez mais aos imperativos económicos - uma restrição considerada essencial para o desenvolvimento de tratamentos para micropoluentes.
Para quando uma implementação em escala?
Até 90% dos resíduos de medicamentos presentes nas águas são eliminados, em zona urbana: uma solução inédita a desenvolver.