Longe das principais centrais térmicas e nucleares, pequenas unidades descentralizadas para a produção de energia, redes inteligentes e criptomoedas estão a acelerar o desenvolvimento de energias renováveis.
Porque o sol não brilha a toda a hora e o vento não sopra constantemente, fontes de energia renováveis são frequentemente criticadas pela sua flutuação. Ainda assim, há já vários anos, soluções técnicas permitem-nos remediar a variação na disponibilidade de energia solar e eólica. E não apenas pelo armazenamento da energia em baterias - ainda com custos muito elevados -, mas pela montagem de uma miríade de pequenos pontos de produção e de consumo de eletricidade, dispersos por uma determinada área através de um único sistema central de informações.
Conhecidos como Virtual Power Plants (VPP) - Centrais Elétricas Virtuais, estes mecanismos para a flexibilidade da eletricidade asseguram a estabilidade da rede e fazem corresponder a oferta e a procura a todo o momento. Podem mesmo desencadear meios adicionais de produção, dependendo das necessidades, ou, pelo contrário, cortar a energia seletivamente. Desde 2015 em França, a Centrales Next integra a produção de diferentes tipos de energia renovável e ajusta a produção energética "fiável" (hidráulica, biogás) quando a produção de energia "inevitável" (solar, eólica) é mais fraca que o esperado devido a condições meteorológicas.
" A flexibilidade da eletricidade é pilar no movimento rumo à descentralização da produção de energia. "
De notar que o contexto atual é propício a este tipo de mecanismo, tanto para uso industrial e comercial ou para consumo privado, por razões económicas ou fiabilidade da rede. "A flexibilidade da eletricidade é pilar no movimento rumo à descentralização da produção de energia, a qual é cada vez mais gerada e consumida localmente", di-lo Murat Isikveren, da divisão de Desenvolvimento, Inovação e Mercados da Veolia, que oferece, também, soluções personalizadas de gestão energética.
Objetivo: energia 100% renovável
Os agregadores responsáveis pela operação de centrais energéticas virtuais têm o potencial para ultrapassar os players do mercado tradicional. "A ideia é substituir, ou pelo menos reduzir, a participação de grandes centrais elétricas (térmicas e nucleares) e encontrar fontes de energia alternativas para os consumidores através da combinação de pequenas fontes de energia renovável", acredita Gad Pinto, responsável de Mercados Energéticos na Veolia. "Os sistemas de eletricidade flexível estão a desenvolver-se mais rápido nos países onde as energias renováveis assumem um papel mais relevante."
Não é de surpreender, portanto, que existam países defensores destes mecanismos para acelerar a sua transição energética. Em fevereiro de 2018, a Austrália, com um forte potencial solar e eólico, anunciou a construção da mais extensa central elétrica virtual do mundo. Até 2022, segundo informação do Le Monde, cerca de 50.000 casas seriam equipadas com painéis fotovoltaicos e uma bateria disponibilizada pela Tesla. A capacidade instalada alcançaria os 250 Megawatts, com 650 MWh de acumulação, podendo, em alguns momentos, fornecer tanta energia quanto uma central a carvão ou uma turbina a gás.
Criptomoeda solar e veículos elétricos
A flexibilidade energética está no seu início. No futuro, as centrais elétricas virtuais irão contar com blockchain, o que permitirá aos consumidores entrarem na cadeia de produção e distribuição de energia de forma rápida, simples e segura. Já existem iniciativas: em França, a start-up Sunchain, especialista na gestão de auto-consumo coletivo, converte energia solar excedente em criptomoeda. A start-up SolarCoin também o faz: lançou, em 2014, uma moeda que converte energia solar (1 KWh = 1 SolarCoin) com o objetivo de encorajar empresas e cidadãos a instalar painéis solares.
Nestas redes de eletricidade inteligente (ou smart grids), a mobilidade elétrica também teria um papel a desempenhar. "A rede será cada vez mais bi-direcional, na medida em que será possível utilizar um veículo elétrico para equilibrar o sistema," diz Murat Isikveren. Esta tecnologia, denominada "vehicle-to-grid", é apenas o começo. Permitiria o retorno da energia armazenada na bateria de volta à rede durante picos de consumo (por uma tarifa).
"Conectar 10.000 veículos elétricos à rede seria o equivalente à produção de uma central nuclear."
No final de março, a Renault iniciou algumas experiências com este sistema de carregamento bi-direcional (ou reversível) na Holanda, Portugal e França. O fabricamente visa a implementação a larga escala de carregadores bi-direcionais nos seus carros elétricos a partir de 2020. Citado no Le Monde, Takashi Hiromatsu, especialista de mobilidade "zero emissões" na Mitsubishi, considera que conectar 10.000 veículos elétricos à rede seria o equivalente à produção de uma central nuclear.