O contributo das redes de água e saneamento para a transição energética

Desde há alguns anos, sistemas de recuperação de calor a partir das águas residuais e a instalação de micro turbinas hidroelétricas na redes de distribuição de água têm sido usadas para valorizar a energia - tantas vezes desperdiçada - contida nas nossas tubagens e condutas.

A energia hídrica, atualmente a segunda fonte de energia elétrica e renovável em Portugal, é principalmente conhecida no nosso país pelos aproveitamentos hidroelétricos existentes nos diversos rios Portugueses. As redes de água e saneamento, na sua maioria subterrâneas, poderão representar  também uma importante fonte de energia que pode ser usada para aquecer ou arrefecer infraestruturas ou mesmo contribuir para alimentar a rede elétrica com mais fontes de energia de base renovável. Desde há alguns anos, vários projetos focaram-se na valorização da água como fonte de energia a partir da sua temperatura e do seu fluxo.

 

Águas residuais como fonte de calor

Com uma temperatura entre os 10º e os 15º graus no inverno, e 15º e 25º graus no verão, as redes de águas residuais urbanas  são fontes locais de calor ou frio. Durante o tempo quente, a sua temperatura é inferior à ambiente e no tempo frio estão mais quentes. O princípio é simples mas requer um certo investimento que padece de ser analisado caso a caso. 

É esta a base do projeto Energido, um sistema de recuperação de energia das condutas de saneamento. O processo passa essencialmente por utilizar o diferencial de temperatura para produção de calor ou frio (consoante estação do ano) através de equipamentos como permutadores e bombas de calor.

 

No Círculo de Nadadores de Marselha, por exemplo, estas redes mantêm a temperatura da água da piscina em 27º durante todo o ano. O resultado é uma conta de gás reduzida em 35% (o equivalente a menos 230 toneladas de CO2 para a atmosfera). 

Outra aplicação deste tipo de sistemas é a sua utilização em redes domésticas de aquecimento/ refrigeração, o aquecimento dos digestores das estações de tratamento de água ou ainda a produção de água quente para uso doméstico, com uma produção anual média para cada instalação entre 500 e 4.000 MWh.

Em alguns eco-bairros as águas residuais já estão a ser utilizadas para alimentar as redes de calor e de frio 

 

A solução tem assim inúmeras aplicações mas também alguns constrangimentos a ter em consideração: por exemplo, a existência de um fluxo suficiente, de cerca de 30 m3 por hora, é essencial, assim como a distância entre a instalação de águas residuais e o recetor de calor, que não pode ser demasiado longa. Esta tecnologia tem, por isso, sido até agora principalmente utilizada em cidades de média dimensão, mas tem grande potencial de aplicação em cidades de maior dimensão (por exemplo, grandes capitais) nos próximos anos. Uma solução “plug and play”, sem exigir grande intervenção dos utilizadores, está também a ser considerada para clientes industriais e setor terciário (hotéis, centros comerciais, etc.)

Microturbinas em redes de distribuição de água

Em 2010, Nice tornou-se a primeira cidade de França a apetrechar a sua rede de abastecimento público de água com microturbinas para produção de energia hídrica. Neste caso, não é o poder calorífico da água que está no centro do processo, mas sim a sua energia cinética, transformada em energia mecânica, que por sua vez permite produzir eletricidade. 

O princípio é o mesmo dos aproveitamentos hidroelétricos – a água ativa uma turbina que está ligada a um alternador em movimento - com a exceção de que o processo decorre diretamente nas condutas de água, a uma escala mais pequena. As microturbinas utilizam a energia potencial da água. Essa energia é proporcional às variações de altura (força gravítica) e de volume da água. É o caso de Nice, onde existem grandes variações de altura e volume. 

Um sistema similar foi instalado em Barcelonnette em 2013, aproveitando o desnível da origem de água localizada a 2 mil metros de altitude e a queda dessa água para um reservatório localizado 600 metros abaixo. Este sistema evita emissões de 494 toneladas de CO2 por ano e produz eletricidade suficiente suprir as necessidades de 970 habitantes. 

No futuro, este princípio bem que poderia ser mais usado para dar resposta a necessidade do nosso dia a dia, a começar nos nossos próprios autoclismos, de acordo com esta investigação sul coreana. Convertendo a energia mecânica da água em eletricidade, mostraram que uma simples gota de água é suficiente para gerar um rasgo de luz numa lâmpada LED. Esperam que esta solução possa ter outras aplicações, como por exemplo em lava-louças, mas também em telhados e janelas recuperando a energia da chuva. O aproveitamento crescente do valor da energia que se move na água fará assim certamente parte do seu curso natural muito em breve! 

Uma gota de água é suficiente para gerar um rasgo de luz numa lâmpada LED.